3 de junho de 2010

Cadê a sobremesa?


 
   Sempre gostei de salgados. Os salgados sempre atraíram, não a mim, mas a meu apetite. Os doces eu sempre... Quase sempre. Os doces eu quase sempre evitei. Pensando bem, eu sempre tive medo de ter diabetes, não sei se é porque minha tia de quarto grau tinha, não sei se é porque tinha receio de nunca mais experimentar aqueles sonhos açucarados que minha falecida avó sempre fazia. Hoje minha avó não pode mais fazê-los. Hoje eu não posso mais comê-los. Mas sempre tive curiosidade de conhecer o sabor. Sei que eram deliciosos somente pelo barulho que meu irmão menor fazia a cada mordida dada. Hoje sinto a insaciável vontade dos sonhos, os quais eu nunca experimentei, pois os doces eu quase sempre evitei.
   O que me dói mais relembrar é Carolina. Nunca pude nem sequer tocar naquele doce, sempre tinha alguém que comprava o último da padaria. Talvez tenha sido culpa minha, não deveria ter sido tão severo comigo mesmo, tão disciplinado. Tão radical. Não fui como meu primo que, travesso como era, meteu o dedo e provou do chantilly da Carolina de outra pessoa. Eu não fiz igual, não sei se porque eu sempre preferi os salgados ou se porque eu sempre fui amargo demais para me dar ao luxo de provar daquele doce que continha sete colheres de açúcar.
   Muito sal. Muita pimenta. Muito ardor. É. Minha vida foi mesmo sem açúcar. Sem diabetes também, mas principalmente sem açúcar, nem uma gota de adoçante sequer. Agora, à beira dos oitenta, me sento à mesa, bebo uma cerveja, mas antes de pedir a conta, grito: hoje eu quero a sobremesa!
   Isso tudo depois de descobrir que aquela minha tia de quarto grau nunca teve diabetes, ela só era amarga, como fui também. Hoje não tenho mais sonhos, não tenho mais Carolina, mas aquele cubinho de açúcar resumiu o que poderia ter sido tudo aquilo que não foi.